Voto de Luiz Fux na AP 2668: a Reafirmação do Devido Processo Legal
Uma divergência que expõe nulidades antigas
9/11/20254 min read
A Ação Penal 2668, que apura suposta tentativa de golpe de Estado e outras acusações contra o ex‑presidente Jair Bolsonaro e militares, parecia caminhar para uma condenação uníssona até o voto dissidente do ministro Luiz Fux. Em um julgamento marcado por viés político e condução questionável, Fux desnudou no plenário do Supremo Tribunal Federal aquilo que advogados penalistas denunciavam há anos: o processo é nulo desde o início.
O ministro reconheceu o acúmulo de vícios que vão da incompetência do próprio Supremo Tribunal Federal, passando pela incompetência da Turma até o flagrante cerceamento de defesa e a fragilidade das provas. Sua posição evidenciou que, longe de ser um “bolsonarista”, ele simplesmente aplicou a Constituição e a jurisprudência, o que o STF não fazia há anos em processos com interesses políticos.
Não havia sequer terminado seu voto quando começaram a chover retaliações. As críticas de partidarismo não passam de retórica para mascarar a ilegalidade com que o STF tem se posicionado como o mais pungente e beligerante ator político do Brasil.
Incompetência do STF e nulidade absoluta
Para Fux, a Ação Penal 2668 jamais poderia tramitar no Supremo. Ele baseou‑se no precedente da AP 937, de 2018, que restringiu o foro por prerrogativa de função aos crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo [1]. O ministro argumentou que as acusações contra Bolsonaro não têm conexão funcional com a Presidência, pois dizem respeito a um suposto plano de permanência no poder e a atos praticados fora do exercício do mandato [1]. Assim, a Corte é absolutamente incompetente para julgar o caso, e todos os atos decisórios devem ser anulados.
Além disso, Fux ressaltou que, se ainda houvesse dúvida sobre a competência, o processo não poderia ser julgado por uma Turma. O artigo 5º do Regimento Interno do STF atribui ao Plenário, e não às Turmas, a competência para crimes comuns contra o presidente da República[2]. O mesmo regimento menciona expressamente ex‑deputados e ex‑senadores como competentes para julgamento em Turma, mas silencia quanto a ex‑presidentes[3]. Para Fux, esse silêncio é eloquente: ex‑presidentes só podem ser julgados pelo Plenário, de modo que a Turma jamais poderia manter a ação.
A consequência é clara: a ação penal deve ser enviada à primeira instância ou, no mínimo, ao Plenário, e os atos praticados pela Primeira Turma são nulos.
Cerceamento de defesa e o “tsunami de dados”
Outra preliminar acolhida por Fux foi o cerceamento de defesa. As defesas alegaram que não tiveram tempo para analisar os milhões de documentos anexados pela Polícia Federal – um verdadeiro data dump ou document dumping. O ministro reconheceu que a disponibilização tardia de bilhões de páginas sem índice ou organização inviabiliza a efetiva análise técnica [4]. Para ele, o simples acesso formal aos autos não garante o acesso material necessário ao exercício de defesa; a paridade de armas exige condições reais de estudo [5].
O relator Alexandre de Moraes tentara minimizar o problema, afirmando que a acusação se baseava em poucas provas e que o restante fora juntado pela própria defesa. Fux respondeu que, mesmo quando os réus solicitam perícias, o Estado deve garantir tempo razoável e organização mínima para que o material seja examinado [6]. Ao reconhecer o argumento, o ministro resgatou o verdadeiro sentido da ampla defesa, rompendo com a prática de afogar os réus em documentos para mascarar a fragilidade da acusação.
Questionamentos sobre a colaboração premiada
Embora tenha validado a colaboração premiada do tenente‑coronel Mauro Cid, Fux apontou problemas que exigem reavaliação. Ele mencionou contradições nos depoimentos, vazamentos e modulação dos benefícios, reconhecendo que a redução das vantagens indicava um implícito reconhecimento de falhas na delação [7].
Ainda que não tenha anulado a colaboração, o ministro destacou a necessidade de purificar as provas, reforçando que delações premiadas não podem substituir investigação regular nem servir de atalho para condenações políticas.
Seleção criteriosa das condenações
No mérito, Fux absolveu seis dos oito réus – Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira – por considerar que não houve prova suficiente de participação em organização criminosa, golpe de Estado ou dano qualificado. Ele divergiu apenas quanto ao tenente‑coronel Mauro Cid e ao general Walter Braga Netto, votando pela condenação destes pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A seletividade demonstra que seu voto foi técnico: onde havia indícios, ele reconheceu; onde havia incerteza, absolveu.
Ao contrário das críticas que o acusam de leniência, Fux simplesmente aplicou o standard de prova penal (“além de dúvida razoável”) e recusou‑se a seguir a narrativa política de que todos os réus formavam uma organização criminosa, afirmando que a denúncia se afastava da cronologia dos fatos e não individualizava condutas [4].
Conclusão: um voto que resgata a Constituição
O voto de Luiz Fux na AP 2668 tornou‑se um divisor de águas. Ao reconhecer a incompetência do STF, a nulidade absoluta do processo e o cerceamento de defesa, ele evidenciou que o julgamento conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes está contaminado por vícios insanáveis.
É fácil rotular Fux de “bolsonarista” ou insinuar que sua divergência busca beneficiar aliados políticos. Difícil é admitir que, em um ambiente contaminado pela politização, um ministro teve a coragem de aplicar o direito. Ao recolocar o devido processo legal no centro do julgamento, Fux lembra que nenhum fim justifica meios inconstitucionais. Seu voto não apenas fortalece a narrativa de que a AP 2668 é nula desde o início, mas também aponta o caminho para restabelecer a credibilidade do Supremo: respeitar a competência constitucional, garantir ampla defesa e julgar com base em provas, e não em paixões políticas.
O presente artigo não celebra um homem, mas o triunfo da legalidade sobre o arbítrio. Em um tribunal cada vez mais tentado a agir como inquisidor, o voto de Fux soa como um lembrete de que, sem as garantias constitucionais, todos – inclusive seus críticos – estão à mercê do despotismo.
O tempo dirá se sua voz será isolada ou se reverberará na consciência jurídica nacional.